A decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo de permitir que policiais militares não usem câmeras nos uniformes nas operações após a morte de um ou mais agentes, na quarta-feira, se soma a outros fatores que atrasam a adoção do equipamento no Brasil. Outras determinações judiciais e discussões nos legislativos estaduais, que refletem a resistência de gestores e de agentes de segurança, fazem com que só 6,6% dos PMs do país usem o dispositivo.
Levantamento do jornal Globo junto a secretarias de segurança pública mostra que uso foi adotado em oito estados, somando pouco mais de 23,3 mil equipamentos. Segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública, há 385 mil policiais militares na ativa em todo o país. Outros países já adoram a medida há anos. Pioneiro no uso, o Reino Unido conta com o dispositivo nos uniformes desde 2005. Os Estados Unidos adotam câmeras em suas forças policiais há pelo menos uma década.
Em São Paulo, as câmeras passaram a ser usadas em 2020. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, elas contribuíram para a redução da letalidade causada por policiais em serviço. Nos batalhões com o equipamento, a queda foi de 76,2% de 2019 a 2022. Nos outros batalhões, a redução foi de 33,3%.
Na gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), houve um corte de 35,7% na verba do programa. No orçamento inicial deste ano, estavam previstos R$ 152 milhões, valor reduzido para R$ 97,6 milhões. Na campanha eleitoral, Tarcísio afirmou que tiraria o equipamento das fardas, mas acabou recuando, o que desagradou aliados bolsonaristas.
Entre os estados que aderiram às câmeras, Santa Catarina tem o maior percentual de agentes monitorados (22,6% da tropa). A medida foi adotada no ano passado, antes de o governador e aliado de Jair Bolsonaro Jorginho Mello (PL) assumir. Deputados governistas chegaram a falar da retirada das câmeras, mas Jorginho nunca deu declarações apoiando a ideia e tem um projeto de modernizar a farda dos PMs sem tirá-las.
O Rio de Janeiro é o segundo estado com maior percentual de câmeras em relação ao efetivo da PM (15,7%). Mas o estado governado por Cláudio Castro (PL) ainda não tem câmeras nos uniformes dos agentes do Batalhão de Choque e do Bope, destacados para as situações de confronto mais violento, o que já foi determinado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Em fevereiro, o ministro Edson Fachin deu 180 dias para a medida ser implementada, prazo prorrogado em 5 de julho e expirado em 2 de dezembro. Depois disso, Fachin intimou o governo estadual para firmar um acordo garantindo as câmeras. O ministro determinou que os agentes do Centro de Operações Especiais (Core) da Polícia Civil também usem o equipamento.
Segundo o Instituto de Segurança Pública, em 2022, as policiais do Rio mataram 1.327 pessoas, o que corresponde a 29,7% das mortes violentas no estado. As câmeras são pedidas por representantes de entidades civis como Derê Gomes, líder da Federação de Favelas:
— As câmeras podem garantir que a polícia faça o trabalho de polícia e inibir práticas como execuções sumárias, torturas e desrespeitos com moradores.
Apesar de ter pedido mais tempo ao STF, Castro já reprovou publicamente as câmeras. Em abril, afirmou à CNN que elas põem em risco a vida do policial:
— Sou contra nas questões específicas, de estratégia policial. Você mostra por onde anda, por onde entra. Enquanto eu não garantir essa segurança, e hoje não há como garantir, continuo sendo contra.
Além do argumento de Castro, há outros dois usados por gestores e forças policiais contra as câmeras. O primeiro é o custo, como alegado na ação julgada em São Paulo. O segundo é que ela retiraria a privacidade do policial.
Mas especialistas ouvidos lembram que as câmeras são acessíveis e baratas, e um dos dois equipamentos disponíveis no mercado tem o som ativado apenas no momento da operação policial, pela central de controle. Assim, a privacidade do policial em outras situações estaria protegida, porque só seriam feitas imagens, sem registro de diálogos.
— O uso de câmeras é importantíssimo para documentar a ação policial, proteger o agente de falsas acusações e proteger o cidadão, em caso de abordagem indevida. O ideal seria que todos os policiais usassem, a não ser os de funções administrativas — diz o especialista em segurança pública e presidente do Instituto de Criminalística e Ciências Policiais da América Latina, José Ricardo Bandeira.
Entre os estados que ainda não mostraram intenção de adotar as câmeras, Goiás também está envolvido em uma disputa judicial sobre o tema. Em agosto do ano passado, o Ministério Público entrou na Justiça para que os agentes passassem a ser monitorados, o que foi concedido em abril. Mas a gestão de Ronaldo Caiado (União Brasil) alegou que a decisão feria a separação de poderes e derrubou a liminar.
A briga nem sempre é judicial. Em Minas Gerais, que conta com pouco mais de mil câmeras (2,9% do efetivo), a implementação foi feita pelo governador Romeu Zema (Novo) em 2021. Um projeto de lei tramita na Assembleia Legislativa para tornar a medida obrigatória.
Com informações de O Globo