Sobre Peter Gabriel e algumas mazelas do pop: Por Claudio Tognolli

O roqueiro brasileiro é aquele que, para se mostrar à gatinha, pega o violão e logo faz uma aranha, um acorde complicado. MPB é barroca, é a repetição pelo atalho da variedade. Rock n roll é minimalista, é a variedade pelo atalho da repetição. Como o rock ,todo o gênio também é higienizador: não há adjetivos em Einstein, não há escarradeira em Machado de Assis, não há sangue em Guernica, não há cocaína na obra literária do colombiano Gabo .Quer saber mais? Leia um dos postulados da estética pós-moderna, Diferença e Repetição, de Gilles Deleuze.

O rock n roll nasceu sob o signo da libertação. O psicanalista Wilhelm Reich nos trouxe a ideia de que a Revolução Industrial nos escravizara a todos. Acostumados ao corpo dado ao léu, tínhamos paúra ao ritual. Eis que surge um sistema, inicialmente fabril, que obriga a nossos corpos, antes libertos, a trabalham 12 horas por dia, eretos. Algo então inaudito. Foi aí que Reich pôde aplicar sua genialidade.

Reich veio com sua teoria das couraças, panzerung. N couraças, criadas ao longo do corpo, para neuroticamente aumentar a insensibilização. Já era uma velha conhecida couraça do rosto, vulgo máscara reichiana, muito empregada por homens de negócio para bombar seja na frialdade, seja na tepidez –mas que fosse demasiadamete inumana.

Mas a couraça que passou a ser a bola da vez, na Revolução Industrial, foi a pélvica. Horas e horas tiveram de endurecer os quadris para aguentar horas e horas, de pé, na linha de montagem. Porque excluídos como parceiros nesse novo modelo de negócio, os negros não tiveram de endurecer a couraça. Mario Filho (irmão de Nelson Rodrigues e cujo nome emprestou ao Maracanã), autor de O Negro no Futebol Brasileiro, gostava de dizer que “o melhor jogador de futebol é o negro, porque tem cintura mole”.

Quando a Segunda Guerra Mundial está no fim, o Produto Interno Bruto dos EUA triplicou. No Brasil, México e Argentina tivemos o boom industrial gerado pela política de substituição de importações. O mundo em geral sentia o cheiro da riqueza e da bonança. Não era mais necessário ficar 12 horas por dia na fábrica. A couraça pélvica tinha agora de ser libertada. Mas como?

Simples: com o rock n roll. Com a potencialização de um jovem caminhoneiro de Tupelo, que era o branco que dançava como negro, e deveria carregar, por isso, a pecha de Elvis, The Pelvis.

O resto da história você conhece.

O que soa inaudito é, nessa semana, o novo disco do avô do rock progressivo, Peter Gabriel, ter conquistado primeiro lugar nas paradas de todo o Reino Unido.

Ouvi a obra, com cuidado e de cabo a rabo. É velha, triste, pré-coerente, helicoidal.

E se tanto sucesso fez é porque o povo está sentido falta da pegada barroca, é a da MPB, a da repetição pelo atalho da variedade.

Sinal de que tempos? Talvez de nada. Talvez de tudo.

Há de ser idiota para detectar em certas mudanças de parâmetros como inequívocos sinais de mudança dos tempos. Ou não. O medievo italiano que via um maluco pintando todo o teto da Capela Sistina jamais imaginaria que ali estava sendo decretado o fim da Idade Média –como ouvi essa semana do genial economista Sérgio Besserman Vianna, presidente do Jardim Botânico do Rio de Janeiro.

Mas, quando você estuda história a fundo, depara-se com o episódio chamado Querelle Antiquii/Modernii, a Querela dos Antigos e Modernos. A saber: os modernos viam na introdução do pensamento aristotélico na universidade de Paris, em 1230, como o fim da idade média. Os antigos viam nisso tão-somente um modismo.

Esse episódio trouxe uma indagação aguda e sempre necessária a ser feita ao nosso lebenswelt: estamos vivendo uma ruptura ou uma falsa ruptura?

Um disco tão extemporâneo quanto I/O, de Peter Gabriel, ter chegado ao topo do mundo significa o quê?

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