Romeu Tuma Jr. conta porque mataram Celso Daniel

Segue um trecho de “Assassinato de Reputações, um crime de estado: muito além da Lava Jato”, que lancei com o delegado especial Romeu Tuma Jr. –que no primeiro mandato de Lula foi seu secretário nacional de justiça.

Ouvimos por mais de 50 horas a ex-contadora do doleiro Alberto Youssef, Meire Poza.

Vamos à parte do livro que trata das novidades que Meire trouxe à investigação da morte de Celso Daniel, ex-prefeito petista do PT, datada de janeiro de 2002

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Quero botar em perspectiva alguns fatos com os quais minha de profissional da lei vida buliu. Encontrei o corpo de Celso Daniel. Anos mais tarde, Meire Poza , ex-contadora do doleiro Alberto Youssef, me trás a versão mais cabal sobre porque ele foi assassinado. E, agora, Poza depõe à Força Tarefa da Lava Jato, sobre o documento que ela lhes entregou: a prova de que Ronan Pinto extorquiu o PT em RS$ 6 milhões para não envolver Lula e Gilberto Carvalho no crime.

Vou começar com trechos da prisão preventiva do pecuarista José Carlos Bumlai, datado de 19 de novembro de 2015, assinado pelo juiz Sérgio Moro. Bumlai, um dos melhores amigos de Lula, tinha cesso ilimitado ao Planalto sob a octaetéride presidencial do torneiro mecânico. Segue o prolatado por Sergio Moro nos autos da Lava Jato:

“Interessante notar que rumores dessa história chegaram ao conhecimento de Marcos Valério Fernandes de Souza, condenado criminalmente na Ação Penal 470, por corrupção e lavagem de dinheiro, inclusive pela realização de repasses de propinas a agentes políticos no interesse do Partido dos Trabalhadores. Segundo ele a contratação da Schain pela Petrobrás faria parte de esquema fraudulento destinado à quitação de empréstimo a José Carlos Bumlai junto ao Banco Schahin. Transcrevo (evento 1, anexo15): 

“Que, Sílvio Pereira indagou se o depoente poderia, mais uma vez ajudá­los com empréstimos; Que, nessa ocasião, Sílvio Pereira informou que Gilberto Carvalho, Lula e José Dirceu estavam sendo chantageados por um empresário da área de transporte de onibus, chamado Ronam Pinto,de Santo André; Que, o depoente usou a seguinte expressão para ficar fora dessa questão: ‘me inclua fora disso’; Que, Sílvio Pereira solicitou que ao menos fosse na reunião com Ronam Pinto, marcada no Hotel Mercure (hotel Puma), localizado na Avenida 23 de Maio em São Paulo; Que, nesse encontro Ronam Pinto chegou acompanhado de Breno Altman, que trabalhava para o José Dirceu e era do PT e posteriormente, Sílvio Pereira disse ao depoente, que Breno Altman era a pessoa utilizada pelo PT para ser o contato com o empresário Ronam Pinto; Que, Ronam Pinto disse ao depoente e a Sílvio Pereira que pretendia comprar o jornal Diário do ABC que estava divulgando notícias que o vinculavam à morte do prefeito Celso Daniel; Que, indagado o depoente declarou que Sílvio Pereira não lhe informou o motivo da chantagem de Ronam Pinto em relação ao ex Presidente Lula, José Dirceu e Gilberto Carvalho e o depoente também não se interessou em saber porque não queria se envolver nesse assunto; Que, Ronam Pinto pediu R$ 6.000.000,00 para comprar 50% do Jornal Diário do ABC; Que, após esse encontro Sílvio Pereira indagou ao depoente o que ele achava da situação e o depoente sugeriu que fosse localizada uma pessoa da extrema confiança do presidente para fazer esse empréstimo; Que, Sílvio Pereira informou que eles tinham outras empresas que atuavam, em outros segmentos, da mesma forma que a SMP&B na área de publicidade para o Governo; Que, o depoente insistiu que o assunto era delicado e seria melhor a localização de uma pessoa de confiança do presidente e deles; Que, posteriormente, Sílvio Pereira disse ao depoente que esse empréstimo de R$6.000.000,00 seria feito no Banco Schahin por José Carlos Bumlai, um dos maiores pecuaristas do Brasil, amigo de Lula, dono da empresa Constran (famosa construtora); Que, o depoente ficou sabendo que o dinheiro foi transferido para Ronam que comprou 50% do jornal e, posteriormente, o restante; Que, como Delúbio era o braço direito de Lula, Sílvio Pereira era conhecido corno o ‘braço direito’ de José Dirceu; Que depois que o caso Mensalão veio à tona, o depoente ficou sabendo que o banco Schahin tinha uma construtora chamada Construtora Schahin, que essa construtora comprou umas sondas de petróleo que foram alugadas pela Petrobrás, por intermédio do seu diretor Guilherme Estrela, como uma forma de viabilizar o pagamento da dívida; Que, o banco Schahin foi comprado pelo Banco BMG.” 

Em busca e apreensão realizada na Arbor Contábil, escritório de contabilidade de Meire Pozza, que fazia a contabilidade das empresas controladas por Alberto Youssef, foi, por sua vez, apreendido contrato de mútuo celebrado, em 22/10/2004, entre a empresa 2 S Participações Ltda., de titularidade de Marcos Valério, e a empresa Remar Agenciamento e Assessoria Ltda., no montante de R$ 6.000.000,00, de titularidade de Oswaldo Rodrigues Vieira Filho (evento 1, anexo 25). Pelo contrato, a 2 S repassaria seis milhões de reais à Remar e que os devolveria em cinco anos a partir de 31/05/2005. 

O contrato está assinado apenas pela 2 S Participações. Estranhamente, faz ele referência a um outro contrato de mútuo, no qual a Remar figura como mutuante e a empresa Expresso Nova Santo André como mutuária. Especificamente, o contrato de mútuo entre a 2 S Participações, mutuante, e a Remar, mutuária, ficaria rescindido caso descumprido o contrato de mútuo entre a Remar, mutuante, e a Expresso Nova Santo André, mutuário (parágrafo nono da cláusula segunda). A cláusula incomum sugere que a Remar era intermediadora do empréstimo entre a 2 S e a empresa Expresso Nova Santo André. 

A empresa Expresso Nova Santo André é de Ronan Maria Pinto e o contrato apreendido poderia ter sido o veículo utilizado para o repasse do numerário pelo operador do Partido dos Trabalhadores até Ronan Maria Pinto. Não se tem conhecimento se esses contratos foram executados. A fiar­se em Marcos Valério isso não teria se ultimado”.

Bom, agora eu vou te explicar: o caso Celso Daniel foi apenas um laboratório do Mensalão e do Petrolão. Lula e sua politburo abandonaram Ronan. A ideia não era matar Celso Daniel. Era, sim, dar um susto no PT, alegando algo como “não nos abandonem agora porque queremos continuar sendo parceiros eternos nos trambiques”. Mas a gangue do ABC perdeu o controle sobre os bandidos de aluguel, que assassinaram Celso Daniel quando se viram atocaiados pela polícia. Quando, ao fim e ao cabo, Ronan se viu abandonado pela gangue de Lula, foi para cima: exigiu os RS$ 6 milhões para poder ter um jornal para chamar de seu.

Com os empreiteiros e empreiteiras da Lava Jato, que de milhões dispunham, somas como esses RS$ 6 milhões resultariam irrisórias nas negociações propostas pela trupe do Lula. Abandonados, os empreiteiros não queriam mais dinheiro apenas: queria juras eternas de parceria. Lula os isolou: e eles partiram para as delações premiadas. O abandono clássico e atávico, que Lula impõe aos parceiros que deixam de lhe interessar, cobrou seu preço. Deixar potentes empreiteiros na condição de fraldões descartáveis está custando o próprio futuro do PT –que será mais negro que asa de graúna, fiem-se nisso.

Lembrando

Em Assassinato de Reputações, um Crime de Estado, lançado em 2013, dediquei 80 páginas ao caso Celso Daniel. Vou recuperar, a título de crônica, somente questões pontuais – com o fito de apurar a narrativa.

Eu era o delegado Seccional Sul da cidade de São Paulo e passei a investigar a máfia dos fiscais, descoberta em 1998, na gestão do prefeito Celso Pitta. Vereadores e funcionários municipais foram acusados de cobrar propinas de ambulantes e comerciantes nas antigas administrações regionais (as atuais subprefeituras). Segundo o Ministério Público, o grupo conseguiu arrecadar, ao longo de 15 meses de atuação, R$ 15,9 milhões – tudo com propina paga pelos ambulantes.

Um dia, me cai nas mãos o Carlos Meinberg, secretário do governo Pitta e

ex-presidente do Banespa. Isolado, Celso Pitta estava levando para sua administração quadros recrutados no PMDB, como o seu secretário de governo, Carlos Meinberg, que assumiu seu cargo na prefeitura de São Paulo em novembro de 1998.

Afastado, fui parar de castigo em Taboão da Serra, na delegacia Seccional.

No dia 19 de janeiro de 2002, quando eram umas 5h30/6h da manhã, mais ou menos, me liga a minha operadora da Seccional de Taboão, a Graça: “Doutor Tuma, me desculpe a hora”. Falei: “Imagina, pode ligar a qualquer hora”. E ela, com voz grave e ansiosa: “O rapaz da funerária ligou informando que tem um corpo lá em Juquitiba, e ele tem uma desconfiança que pode ser esse prefeito que está sumido. Ele acha que pode ser o cara”. Perguntei onde era isso, em Juquitiba? E emendei: “Peraí, então pede para alguém do Garra já deixar uma viatura ligada na Seccional que estou indo aí para me levarem a esse local”.

Encontrei o corpo de Celso Daniel assim.

O resumo do caso é o seguinte:

Celso Daniel contava 50 anos quando ocupava o cargo de prefeito de Santo André, pela terceira vez. Foi sequestrado na noite de 18 de janeiro de 2002, quando saía da churrascaria Rubaiyat dos Jardins, em São Paulo. O prefeito estava num carro Mitsubishi Pajero blindado, na companhia do empresário Sérgio Gomes da Silva, conhecido também como o “Sombra”. O carro foi perseguido por outros três veículos: um Santana, um Tempra e uma Blazer.

Na rua Antônio Bezerra, perto do número 393, no bairro do Sacomã, Zona Sul da capital, os criminosos fecharam o carro do prefeito. Tiros foram disparados contra os pneus e vidros traseiro e dianteiro de seu carro. Gomes da Silva, que era o motorista, disse que na hora a trava e o câmbio da Pajero não funcionaram.

Os bandidos armados então abriram a porta do carro, arrancaram o prefeito de lá e o levaram embora. Sérgio Gomes da Silva ficou no local, incólume. Nem reação teve, mesmo com carro blindado.

Na manhã do dia 20 de janeiro de 2002, domingo, o corpo do prefeito Celso Daniel, com onze tiros, foi encontrado na estrada das Cachoeiras, no bairro do Carmo, na altura do quilômetro 328 da rodovia Régis Bittencourt (BR116), em Juquitiba.

* * *

Antes disso, no dia 17 de janeiro, um preso foi resgatado da cadeia de Guarulhos de helicóptero, uma fuga espetacular. O helicóptero desceu lá dentro, subiram dois presos e foram embora. E esse helicóptero pousou onde? No Embu, na minha área, e nós passamos a investigar. O que esse bandido ia fazer? Matar Celso Daniel, também na minha circunscrição.

Dois raios caíram no mesmo lugar, contrariando as leis da física e o dictum popular. Afastado para Taboão da Serra, por punição, lá me caem nas mãos dois casos singularmente ligados do PT.

As duas batatas quentes ferviam nas minhas mãos: o corpo do Celso Daniel foi encontrado na minha área. E quem comandou seu assassinato tinha fugido de uma cadeia em Guarulhos e pousado de helicóptero também na minha jurisdição. 

Tudo indica que Celso Daniel morreu porque o achaque do PT contra os empresários de Santo André começou a aumentar. Os empresários não aguentavam pagar essa sobretaxa. Celso Daniel ficou no meio e sobrou para ele.

Tenho razões para crer que os caras sequestraram o Celso Daniel para lhe dar um susto. Pagariam depois o resgate e lhe esfregariam na cara o seguinte bordão: “Salvamos você, você deve moralmente sua vida a nós; então tire o PT da nossa bota, não queremos mais sobretaxa. Leve o recado porque você nos deve a vida”.

Vamos aos fatos de uma semana antes da morte de Celso Daniel.

Em Guarulhos, estava preso um dos maiores sequestradores de São Paulo, o líder do Comando Revolucionário Brasileiro da Criminalidade, o CRBC, que é exatamente a facção criminosa que mais tinha seguidores depois do PCC – a única que confrontava com o PCC, era a opositora do PCC.

Lembro-me bem daquele dia. Estava trabalhando quando fui acionado a respeito de uma fuga espetacular, ocorrida na Penitenciária José Parada Neto, em Guarulhos. Na hora do almoço, um helicóptero pousou no presídio e resgatou de lá dois presos. Um chamava-se Dionísio de Aquino Severo; o outro, Ailton Alves Feitosa. O caso foi emblemático. Naqueles tem

pos, a segurança pública estava em xeque: achava-se sequestrado o publicitário Washington Olivetto. E mais essa, agora!

É preciso explicar: por que fui acionado? Por uma razão: o helicóptero pousou num campo de futebol em Embu, que, naqueles tempos, não era oficialmente Embu das Artes, e também era minha área de atuação policial. Minha circunscrição.

Começamos a analisar quem era o Dionísio. Tratava-se de conhecido sequestrador, que falava várias línguas e ainda era piloto de helicóptero. Fiquei intrigado: “Por que razão ele fugira daquela maneira cinematográfica?” Logo no início das investigações, chegaram-me informes de que “Bola” e outros comparsas do Dionísio anunciaram, dias antes, que iriam fazer uma “lança” em dólares. “Lança”, na gíria criminosa, significa uma ação de vulto.

Por que eles teriam pousado no Embu? Essa e outras perguntas tinham de ser respondidas. Prosseguiam as investigações.

Procurei saber quem tinha recebido o Dionísio quando o helicóptero pousou em Embu. Descubro um ex-garçom do Rubaiyat. É a primeira das muitas coincidências. Levanto a ficha do Dionísio. Antes de virar criminoso, sequestrador, ele trabalhou como segurança em Santo André. E quem teve o mesmo início, quem foi segurança na cidade? O Sérgio Sombra, que estava com Celso Daniel na hora do seu sequestro. Aliás, na primeira entrevista que ele, Sombra, concedeu, na própria delegacia, após arrebatarem o prefeito, já virou suspeito. Nesse meio tempo, investigo a fuga do Dionísio e descubro essas coincidências: o Dionísio e o Sombra trabalharam, no passado, como seguranças em Santo André, e o Sombra era empresário do ramo de transporte. Pela minha experiência, eu sabia que “tinha coisa ali”. Não tive dúvidas: havia um vínculo entre a fuga e o sequestro.

A fuga do Dionísio foi armada para ele comandar esse sequestro, que planejou de forma totalmente compartimentada.

Ou seja, quem executava não sabia quem havia planejado. Com qual objetivo? Provavelmente assustar o Celso Daniel. Este iria coordenar a campanha do Lula e queria limpar a área, parar com o “esquema” (de desvio para o bolso do pessoal envolvido com a propina não institucionalizada ou não partidarizada: tudo deveria ir para o partido) para que nada estourasse durante a eleição. Algo como aparar arestas, manter a casa em ordem, não permitir qualquer alteração, inclusive na prefeitura; ninguém deveria se candidatar para não atrapalhar e não degringolar o esquema. Os caras do esquema não concordaram e armaram o sequestro. 

viatura, ele soube descrever todo o trajeto que fizemos, mesmo os trechos improvisados! E para me gozar ainda falou: “Se eu tivesse um cavalo desses, ninguém me segurava”, se referindo à boa pilotagem que eu havia executado. Um espanto!

Era madrugada, o depoimento de Dionísio durou quase vinte horas, mas ele só começou a falar no final, depois da chegada das duas advogadas.

A minha tese do assassinato é clara: a quadrilha que executou era diferente daquela que planejou. A ligação entre as duas era o Dionísio. Acho que o objetivo era dar um susto no Celso Daniel, mas a coisa saiu do controle. Não sei se a briga era para parar o “desvio do desvio”, o “roubo do roubo” do dinheiro, ou se queriam mais recursos para a campanha. Mas tenho uma forte convicção de que o homicídio do prefeito foi acidente de percurso. Não tinha sido planejado, premeditadamente, por quem planejou o sequestro. Não podemos, entretanto, deixar de registrar que quem planejou assumiu o risco do resultado. Temos duas razões bem claras para cravar isso: primeiro que, para matar o prefeito, bastava ter atirado nele na hora da abordagem inicial; e se o Sombra não estivesse envolvido ele também seria

morto ali. Segundo: como a motivação do crime, no meu entendimento, era uma disputa político-administrativa que visava dinheiro, ninguém seria insano de matar a “galinha dos ovos de ouro” e o dono da granja! Já em Brasília, anos depois, Gilberto Carvalho me disse que procurou a família do Celso para tranquiliza-los diante das notícias e, como primeiro homem de confiança, para explicar que nem o Celso nem ele haviam desviado um centavo para o bolso. Que aquele dinheiro ele levava para o José Dirceu, para ajudar o partido na campanha; que fez aquela visita na melhor das intenções e se sentiu muito injustiçado quando o irmão do Celso tornou pública aquela história. Gilberto Carvalho também me disse que levava o dinheiro em um fusquinha para o José Dirceu.

Quero botar em perspectiva alguns fatos com os quais minha de profissional da lei vida buliu. Encontrei o corpo de Celso Daniel. Anos mais tarde, Meire Poza me trás a versão mais cabal sobre porque ele foi assassinado. E, agora, Poza depõe à Força Tarefa da Lava Jato, sobre o documento que ela lhes entregou: a prova de que Ronan Pinto extorquiu o PT em RS$ 6 milhões para não envolver Lula e Gilberto Carvalho no crime.

Vou começar com trechos da prisão preventiva do pecuarista José Carlos Bumlai, datado de 19 de novembro de 2015, assinado pelo juiz Sérgio Moro. Bumlai, um dos melhores amigos de Lula, tinha cesso ilimitado ao Planalto sob a octaetéride presidencial do torneiro mecânico. Segue o prolatado por Sergio Moro nos autos da Lava Jato:

“Interessante notar que rumores dessa história chegaram ao conhecimento de Marcos Valério Fernandes de Souza, condenado criminalmente na Ação Penal 470, por corrupção e lavagem de dinheiro, inclusive pela realização de repasses de propinas a agentes políticos no interesse do Partido dos Trabalhadores. Segundo ele a contratação da Schain pela Petrobrás faria parte de esquema fraudulento destinado à quitação de empréstimo a José Carlos Bumlai junto ao Banco Schahin. Transcrevo (evento 1, anexo15): 

“Que, Sílvio Pereira indagou se o depoente poderia, mais uma vez ajudá­los com empréstimos; Que, nessa ocasião, Sílvio Pereira informou que Gilberto Carvalho, Lula e José Dirceu estavam sendo chantageados por um empresário da área de transporte de onibus, chamado Ronam Pinto,de Santo André; Que, o depoente usou a seguinte expressão para ficar fora dessa questão: ‘me inclua fora disso’; Que, Sílvio Pereira solicitou que ao menos fosse na reunião com Ronam Pinto, marcada no Hotel Mercure (hotel Puma), localizado na Avenida 23 de Maio em São Paulo; Que, nesse encontro Ronam Pinto chegou acompanhado de Breno Altman, que trabalhava para o José Dirceu e era do PT e posteriormente, Sílvio Pereira disse ao depoente, que Breno Altman era a pessoa utilizada pelo PT para ser o contato com o empresário Ronam Pinto; Que, Ronam Pinto disse ao depoente e a Sílvio Pereira que pretendia comprar o jornal Diário do ABC que estava divulgando notícias que o vinculavam à morte do prefeito Celso Daniel; Que, indagado o depoente declarou que Sílvio Pereira não lhe informou o motivo da chantagem de Ronam Pinto em relação ao ex Presidente Lula, José Dirceu e Gilberto Carvalho e o depoente também não se interessou em saber porque não queria se envolver nesse assunto; Que, Ronam Pinto pediu R$ 6.000.000,00 para comprar 50% do Jornal Diário do ABC; Que, após esse encontro Sílvio Pereira indagou ao depoente o que ele achava da situação e o depoente sugeriu que fosse localizada uma pessoa da extrema confiança do presidente para fazer esse empréstimo; Que, Sílvio Pereira informou que eles tinham outras empresas que atuavam, em outros segmentos, da mesma forma que a SMP&B na área de publicidade para o Governo; Que, o depoente insistiu que o assunto era delicado e seria melhor a localização de uma pessoa de confiança do presidente e deles; Que, posteriormente, Sílvio Pereira disse ao depoente que esse empréstimo de R$6.000.000,00 seria feito no Banco Schahin por José Carlos Bumlai, um dos maiores pecuaristas do Brasil, amigo de Lula, dono da empresa Constran (famosa construtora); Que, o depoente ficou sabendo que o dinheiro foi transferido para Ronam que comprou 50% do jornal e, posteriormente, o restante; Que, como Delúbio era o braço direito de Lula, Sílvio Pereira era conhecido corno o ‘braço direito’ de José Dirceu; Que depois que o caso Mensalão veio à tona, o depoente ficou sabendo que o banco Schahin tinha uma construtora chamada Construtora Schahin, que essa construtora comprou umas sondas de petróleo que foram alugadas pela Petrobrás, por intermédio do seu diretor Guilherme Estrela, como uma forma de viabilizar o pagamento da dívida; Que, o banco Schahin foi comprado pelo Banco BMG.” 

Em busca e apreensão realizada na Arbor Contábil, escritório de contabilidade de Meire Pozza, que fazia a contabilidade das empresas controladas por Alberto Youssef, foi, por sua vez, apreendido contrato de mútuo celebrado, em 22/10/2004, entre a empresa 2 S Participações Ltda., de titularidade de Marcos Valério, e a empresa Remar Agenciamento e Assessoria Ltda., no montante de R$ 6.000.000,00, de titularidade de Oswaldo Rodrigues Vieira Filho (evento 1, anexo 25). Pelo contrato, a 2 S repassaria seis milhões de reais à Remar e que os devolveria em cinco anos a partir de 31/05/2005. 

O contrato está assinado apenas pela 2 S Participações. Estranhamente, faz ele referência a um outro contrato de mútuo, no qual a Remar figura como mutuante e a empresa Expresso Nova Santo André como mutuária. Especificamente, o contrato de mútuo entre a 2 S Participações, mutuante, e a Remar, mutuária, ficaria rescindido caso descumprido o contrato de mútuo entre a Remar, mutuante, e a Expresso Nova Santo André, mutuário (parágrafo nono da cláusula segunda). A cláusula incomum sugere que a Remar era intermediadora do empréstimo entre a 2 S e a empresa Expresso Nova Santo André. 

A empresa Expresso Nova Santo André é de Ronan Maria Pinto e o contrato apreendido poderia ter sido o veículo utilizado para o repasse do numerário pelo operador do Partido dos Trabalhadores até Ronan Maria Pinto. Não se tem conhecimento se esses contratos foram executados. A fiar­se em Marcos Valério isso não teria se ultimado”.

Bom, agora eu vou te explicar: o caso Celso Daniel foi apenas um laboratório do Mensalão e do Petrolão. Lula e sua politburo abandonaram Ronan. A ideia não era matar Celso Daniel. Era, sim, dar um susto no PT, alegando algo como “não nos abandonem agora porque queremos continuar sendo parceiros eternos nos trambiques”. Mas a gangue do ABC perdeu o controle sobre os bandidos de aluguel, que assassinaram Celso Daniel quando se viram atocaiados pela polícia. Quando, ao fim e ao cabo, Ronan se viu abandonado pela gangue de Lula, foi para cima: exigiu os RS$ 6 milhões para poder ter um jornal para chamar de seu.

Com os empreiteiros e empreiteiras da Lava Jato, que de milhões dispunham, somas como esses RS$ 6 milhões resultariam irrisórias nas negociações propostas pela trupe do Lula. Abandonados, os empreiteiros não queriam mais dinheiro apenas: queria juras eternas de parceria. Lula os isolou: e eles partiram para as delações premiadas. O abandono clássico e atávico, que Lula impõe aos parceiros que deixam de lhe interessar, cobrou seu preço. Deixar potentes empreiteiros na condição de fraldões descartáveis está custando o próprio futuro do PT –que será mais negro que asa de graúna, fiem-se nisso.

Lembrando

Em Assassinato de Reputações, um Crime de Estado, lançado em 2013, dediquei 80 páginas ao caso Celso Daniel. Vou recuperar, a título de crônica, somente questões pontuais – com o fito de apurar a narrativa.

Eu era o delegado Seccional Sul da cidade de São Paulo e passei a investigar a máfia dos fiscais, descoberta em 1998, na gestão do prefeito Celso Pitta. Vereadores e funcionários municipais foram acusados de cobrar propinas de ambulantes e comerciantes nas antigas administrações regionais (as atuais subprefeituras). Segundo o Ministério Público, o grupo conseguiu arrecadar, ao longo de 15 meses de atuação, R$ 15,9 milhões – tudo com propina paga pelos ambulantes.

Um dia, me cai nas mãos o Carlos Meinberg, secretário do governo Pitta e

ex-presidente do Banespa. Isolado, Celso Pitta estava levando para sua administração quadros recrutados no PMDB, como o seu secretário de governo, Carlos Meinberg, que assumiu seu cargo na prefeitura de São Paulo em novembro de 1998.

Afastado, fui parar de castigo em Taboão da Serra, na delegacia Seccional.

No dia 19 de janeiro de 2002, quando eram umas 5h30/6h da manhã, mais ou menos, me liga a minha operadora da Seccional de Taboão, a Graça: “Doutor Tuma, me desculpe a hora”. Falei: “Imagina, pode ligar a qualquer hora”. E ela, com voz grave e ansiosa: “O rapaz da funerária ligou informando que tem um corpo lá em Juquitiba, e ele tem uma desconfiança que pode ser esse prefeito que está sumido. Ele acha que pode ser o cara”. Perguntei onde era isso, em Juquitiba? E emendei: “Peraí, então pede para alguém do Garra já deixar uma viatura ligada na Seccional que estou indo aí para me levarem a esse local”.

Encontrei o corpo de Celso Daniel assim.

O resumo do caso é o seguinte:

Celso Daniel contava 50 anos quando ocupava o cargo de prefeito de Santo André, pela terceira vez. Foi sequestrado na noite de 18 de janeiro de 2002, quando saía da churrascaria Rubaiyat dos Jardins, em São Paulo. O prefeito estava num carro Mitsubishi Pajero blindado, na companhia do empresário Sérgio Gomes da Silva, conhecido também como o “Sombra”. O carro foi perseguido por outros três veículos: um Santana, um Tempra e uma Blazer.

Na rua Antônio Bezerra, perto do número 393, no bairro do Sacomã, Zona Sul da capital, os criminosos fecharam o carro do prefeito. Tiros foram disparados contra os pneus e vidros traseiro e dianteiro de seu carro. Gomes da Silva, que era o motorista, disse que na hora a trava e o câmbio da Pajero não funcionaram.

Os bandidos armados então abriram a porta do carro, arrancaram o prefeito de lá e o levaram embora. Sérgio Gomes da Silva ficou no local, incólume. Nem reação teve, mesmo com carro blindado.

Na manhã do dia 20 de janeiro de 2002, domingo, o corpo do prefeito Celso Daniel, com onze tiros, foi encontrado na estrada das Cachoeiras, no bairro do Carmo, na altura do quilômetro 328 da rodovia Régis Bittencourt (BR116), em Juquitiba.

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Antes disso, no dia 17 de janeiro, um preso foi resgatado da cadeia de Guarulhos de helicóptero, uma fuga espetacular. O helicóptero desceu lá dentro, subiram dois presos e foram embora. E esse helicóptero pousou onde? No Embu, na minha área, e nós passamos a investigar. O que esse bandido ia fazer? Matar Celso Daniel, também na minha circunscrição.

Dois raios caíram no mesmo lugar, contrariando as leis da física e o dictum popular. Afastado para Taboão da Serra, por punição, lá me caem nas mãos dois casos singularmente ligados do PT.

As duas batatas quentes ferviam nas minhas mãos: o corpo do Celso Daniel foi encontrado na minha área. E quem comandou seu assassinato tinha fugido de uma cadeia em Guarulhos e pousado de helicóptero também na minha jurisdição. 

Tudo indica que Celso Daniel morreu porque o achaque do PT contra os empresários de Santo André começou a aumentar. Os empresários não aguentavam pagar essa sobretaxa. Celso Daniel ficou no meio e sobrou para ele.

Tenho razões para crer que os caras sequestraram o Celso Daniel para lhe dar um susto. Pagariam depois o resgate e lhe esfregariam na cara o seguinte bordão: “Salvamos você, você deve moralmente sua vida a nós; então tire o PT da nossa bota, não queremos mais sobretaxa. Leve o recado porque você nos deve a vida”.

Vamos aos fatos de uma semana antes da morte de Celso Daniel.

Em Guarulhos, estava preso um dos maiores sequestradores de São Paulo, o líder do Comando Revolucionário Brasileiro da Criminalidade, o CRBC, que é exatamente a facção criminosa que mais tinha seguidores depois do PCC – a única que confrontava com o PCC, era a opositora do PCC.

Lembro-me bem daquele dia. Estava trabalhando quando fui acionado a respeito de uma fuga espetacular, ocorrida na Penitenciária José Parada Neto, em Guarulhos. Na hora do almoço, um helicóptero pousou no presídio e resgatou de lá dois presos. Um chamava-se Dionísio de Aquino Severo; o outro, Ailton Alves Feitosa. O caso foi emblemático. Naqueles tem

pos, a segurança pública estava em xeque: achava-se sequestrado o publicitário Washington Olivetto. E mais essa, agora!

É preciso explicar: por que fui acionado? Por uma razão: o helicóptero pousou num campo de futebol em Embu, que, naqueles tempos, não era oficialmente Embu das Artes, e também era minha área de atuação policial. Minha circunscrição.

Começamos a analisar quem era o Dionísio. Tratava-se de conhecido sequestrador, que falava várias línguas e ainda era piloto de helicóptero. Fiquei intrigado: “Por que razão ele fugira daquela maneira cinematográfica?” Logo no início das investigações, chegaram-me informes de que “Bola” e outros comparsas do Dionísio anunciaram, dias antes, que iriam fazer uma “lança” em dólares. “Lança”, na gíria criminosa, significa uma ação de vulto.

Por que eles teriam pousado no Embu? Essa e outras perguntas tinham de ser respondidas. Prosseguiam as investigações.

Procurei saber quem tinha recebido o Dionísio quando o helicóptero pousou em Embu. Descubro um ex-garçom do Rubaiyat. É a primeira das muitas coincidências. Levanto a ficha do Dionísio. Antes de virar criminoso, sequestrador, ele trabalhou como segurança em Santo André. E quem teve o mesmo início, quem foi segurança na cidade? O Sérgio Sombra, que estava com Celso Daniel na hora do seu sequestro. Aliás, na primeira entrevista que ele, Sombra, concedeu, na própria delegacia, após arrebatarem o prefeito, já virou suspeito. Nesse meio tempo, investigo a fuga do Dionísio e descubro essas coincidências: o Dionísio e o Sombra trabalharam, no passado, como seguranças em Santo André, e o Sombra era empresário do ramo de transporte. Pela minha experiência, eu sabia que “tinha coisa ali”. Não tive dúvidas: havia um vínculo entre a fuga e o sequestro.

A fuga do Dionísio foi armada para ele comandar esse sequestro, que planejou de forma totalmente compartimentada.

Ou seja, quem executava não sabia quem havia planejado. Com qual objetivo? Provavelmente assustar o Celso Daniel. Este iria coordenar a campanha do Lula e queria limpar a área, parar com o “esquema” (de desvio para o bolso do pessoal envolvido com a propina não institucionalizada ou não partidarizada: tudo deveria ir para o partido) para que nada estourasse durante a eleição. Algo como aparar arestas, manter a casa em ordem, não permitir qualquer alteração, inclusive na prefeitura; ninguém deveria se candidatar para não atrapalhar e não degringolar o esquema. Os caras do esquema não concordaram e armaram o sequestro. 

viatura, ele soube descrever todo o trajeto que fizemos, mesmo os trechos improvisados! E para me gozar ainda falou: “Se eu tivesse um cavalo desses, ninguém me segurava”, se referindo à boa pilotagem que eu havia executado. Um espanto!

Era madrugada, o depoimento de Dionísio durou quase vinte horas, mas ele só começou a falar no final, depois da chegada das duas advogadas.

A minha tese do assassinato é clara: a quadrilha que executou era diferente daquela que planejou. A ligação entre as duas era o Dionísio. Acho que o objetivo era dar um susto no Celso Daniel, mas a coisa saiu do controle. Não sei se a briga era para parar o “desvio do desvio”, o “roubo do roubo” do dinheiro, ou se queriam mais recursos para a campanha. Mas tenho uma forte convicção de que o homicídio do prefeito foi acidente de percurso. Não tinha sido planejado, premeditadamente, por quem planejou o sequestro. Não podemos, entretanto, deixar de registrar que quem planejou assumiu o risco do resultado. Temos duas razões bem claras para cravar isso: primeiro que, para matar o prefeito, bastava ter atirado nele na hora da abordagem inicial; e se o Sombra não estivesse envolvido ele também seria

morto ali. Segundo: como a motivação do crime, no meu entendimento, era uma disputa político-administrativa que visava dinheiro, ninguém seria insano de matar a “galinha dos ovos de ouro” e o dono da granja! Já em Brasília, anos depois, Gilberto Carvalho me disse que procurou a família do Celso para tranquiliza-los diante das notícias e, como primeiro homem de confiança, para explicar que nem o Celso nem ele haviam desviado um centavo para o bolso. Que aquele dinheiro ele levava para o José Dirceu, para ajudar o partido na campanha; que fez aquela visita na melhor das intenções e se sentiu muito injustiçado quando o irmão do Celso tornou pública aquela história. Gilberto Carvalho também me disse que levava o dinheiro em um fusquinha para o José Dirceu.

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