Por Mariana Barbosa, O Globo
A J&F abriu mais uma frente para tentar anular a venda da Eldorado Celulose para a Paper Excellence. Depois de atuar nos bastidores contra a lei de arbitragem no Brasil e a favor da restrição das terras estrangeiras no país, a holding dos irmãos Batista entrou com um pedido no Supremo Tribunal Federal para obter uma extensão da decisão que anulou as provas apresentadas pela Odebrecht em seu acordo de leniência durante a Operação Lava Jato.
No pedido endereçado ao ministro Dias Toffoli, que foi quem anulou as provas da construtora, a J&F diz que o acordo foi “abusivo” e que a multa “teratológica” imposta pelo Ministério Público Federal forçou a empresa a vender “ativos valiosos de forma açodada e com baixa precificação”. Entre outras demandas, ela pede a suspensão “das obrigações patrimoniais abusivas que estejam contidas nos negócios jurídicos celebrados sob a égide das ilicitudes da Lava-Jato”.
A empresa cita a venda de Alpargatas e Vigor na petição, mas concentra o pedido de suspensão na venda da Eldorado, cuja transferência das ações, confirmada em primeira instância após derrota na câmara arbitral, está suspensa por decisão liminar do Tribunal Regional Federal em Santa Catarina (TRF-4) relacionada à questão da propriedade das terras.
Na petição, a J&F diz ter havido um conluio entre “um executivo da Paper”, Josmar Verillo, e o procurador Anselmo Lopes, descrito como “protagonista algoz dos abusos perpetrados” contra o grupo J&F, para que a venda fosse realizada — e que a mesma foi apresentada como condição para a celebração do acordo de leniência.
Em nota, a Paper diz que a J&F faz uma “narrativa fantasiosa” e “sem compromisso com a verdade”. “A Paper esclarece que, à época da assinatura do acordo de leniência em 2017, Josmar Verillo não prestava serviços para a multinacional e nem sequer conhecia seu acionista. A contratação de Verillo como consultor aconteceu em 2018, somente depois do descumprimento do contrato de venda da Eldorado pela J&F.”
— Dizer que a multinacional teve algum tipo de influência no acordo de leniência a fim de criar oportunidade para a aquisição da Eldorado é ignorar fatos amplamente noticiados na ocasião e que contrariam tal narrativa — diz o CEO da Paper no Brasil, Cláudio Cotrim. — Ao resolver vender a Eldorado, a J&F iniciou uma negociação com a chilena Arauco Celulose que fez uma oferta pelo negócio. A Paper chegou na negociação bem depois. Com duas propostas na mesa, a J&F poderia perfeitamente ter escolhido vender para a Arauco — completa.
A empresa diz ainda na nota: “Diante do desrespeito da J&F em relação ao STF, ao negócio legítimo firmado em 2018 e ao Tribunal Arbitral, a Paper segue confiante de que o Judiciário brasileiro não cederá, novamente, aos artifícios orquestrados por uma empresa nada transparente e investigada por processos de corrupção.”
O pedido de suspensão da venda da Eldorado foi endereçado ao ministro Dias Toffoli. Em setembro, Toffoli se declarou impedido de julgar um recurso apresentado pela J&F contra o arquivamento de uma ação criminal movida pela empresa contra o CEO da Paper no Brasil. Isso porque, sua esposa, a advogada Roberta Rangel, advoga para a J&F na disputa contra a Paper Excellence.
A J&F entrou na Justiça criminal e civil contra Cotrim após ele declarar, em entrevista à imprensa, que a J&F estaria pedindo R$ 6 bilhões a mais para encerrar a disputa e entregar o controle da Eldorado. Cotrim comprovou suas declarações e a J&F perdeu as ações em todas as instâncias. O caso foi arquivado pelo Supremo por unanimidade, com apenas o impedimento do ministro Toffoli.
Em nota à coluna, a J&F diz que nunca tentou alterar a lei de arbitragem e nega que tenha participado de qualquer ação judicial envolvendo a discussão de terras estrangeiras para tentar reverter a venda da Eldorado.
Abaixo a íntegra da nota:
O objetivo central do pedido da J&F ao STF é o acesso às provas da Operação Spoofing, uma mera extensão de medida já deferida legalmente a outras vítimas, tendo em vista a obtenção de evidências de possíveis ilegalidades cometidas contra a J&F na negociação de seu acordo de leniência. O desespero da Paper Excellence apenas indica que a empresa indonésia sabe que as provas da Operação Spoofing poderão comprovar a suspeita de que muitos crimes foram cometidos contra o grupo J&F ao longo da Operação Lava-Jato e de suas derivadas. Se a carapuça serviu à Paper Excellence, que a vista.
Ao contrário do informado, a J&F nunca tentou alterar a lei de arbitragem e nunca atuou por restrições à compra de terras por estrangeiros. Não há qualquer evidência que sustente essas afirmações. Pelo contrário, a J&F nunca se manifestou a favor de alterações na lei, que sequer teriam efeito sobre o caso Eldorado. A J&F não é autora de nenhuma ação relativa à Lei de Terras, e sim ré de ações movidas por terceiros, inclusive pelo Ministério Público Federal, que pedem a nulidade do contrato de venda da Eldorado por descumprimento da legislação de terras por parte da Paper Excellence.
Também está errada a informação de que qualquer demanda da J&F em sua petição seja concentrada no caso Eldorado. Para isso, basta ler o documento, que é público.