Deus à la carte: por Claudio Tognolli

Freud referia ser a religião uma vasta ilusão. Marx falava em ópio do povo. Carlos Drummond de Andrade em destilação  “dos ópios de emergência”. Jamais fui tocado pelo sentimento oceânico que deve ser a proximidade com o divino. Talvez o tenha, mas a memória seletiva dá conta da poda. Por outra: dá pra falar em pontuais epifanias. Aqueles momentos em que você acha que há algo além do óxido da rotina. Mas isso quase sempre ficou por conta da música. Todas as formas de arte aspiram à música, que não é outra coisa senão forma –notou Walter Pater, pai da crítica moderna, em 1877. Tudo isso para dizer que meu deus sempre foi a música.A bíblia diz que Deus criou o homem à sua imagem e semelhança. No começo do século 20, Bertrand Russell falava que era o contrário: o homem que criou Deus à sua imagem e semelhança. Seja  como for, nós humanos, que sempre condenados cães, por exemplo, como animais irracionais, ficamos de joelhos diante de um deus barbado, ou de um diabo espevitado. Damos credo a figuras antropomórficas. É difícil aceitar que o criador, ou o diabo que o valha, seja nada. Gostamos do que tem a nossas caras. Ou detestamos o que não tem as nossas caras: estão aí todo o deus e o diabo possíveis, portanto.  Socino, um monge medieval, foi condenado à fogueira porque dizia que deus era um ser que “estava aprendendo”. Os socinistas, agora, ficam felizes em ver, na física, aquela teoria da constante cosmológica, pelo qual o universo está em contínua expansão. Einstein acreditava nisso. Mas repudiava isso quando aplicado ao universo das micropartículas, quando cotejado com a chamada teoria do caos, pela qual elétrons podem ser, ao mesmo tempo, ondas e partículas. Foi por isso que escreveu “Meine Liebe Gott wurfelt nicht mit der welt”, ou “meu querido deus não joga dados com o mundo”. Gostei da frase quando a li. E a tatuei no peito, em alemão.Mas de lá para cá meu Deus teve dias que encolheu. Teve dias que se expandiu. Descobri que cada dia tenho um Deus: é um Deus pragmático. Cada dia colho nos vastos campos de letras, das minhas estantes, o Deus que me interessa. Teve dias que Deus era um insano. Teve dias em que Deus era o sorriso de minha filha. Teve dias que Deus era a luz do sol golpeando meus olhos. Teve dias que Deus estava morto. Teve minutos em que Deus em que Deus esperneou na minha frente. Kant falava que não podemos perguntar o que é Deus, mas como ele se manifesta. Religiões tentam responder o que é Deus, e por isso pecam. Mas o ser humano ainda não está preparado para ter o nada como resposta. Surfar o caos que é a vida dá trabalho. Destilar deuses de emergência parece ser “cool”. Ótimo: desde que meu Deus venha a la carte, e eu possa escolhê-lo de acordo com o meu humor. Mas tem dias que o que quero não consta do cardápio. Por isso ando emagrecendo.        

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