Cartórios registram recorde de 3.908 mudanças de gênero durante o ano de 2023, a maioria com escolha de novo nome 

O ano de 2023 teve um número recorde de mudanças de gênero registradas nos cartórios brasileiros. De acordo com a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil), 3.908 pessoas trans ou não-binárias conseguiram atualizar seus documentos. E, na maior parte dos casos (99%), com mudanças no nome. Desde 2018, o procedimento pode ser feito sem a necessidade de ordem judicial, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal.

— A alteração de gênero e nome no registro civil é crucial para o reconhecimento e respeito à identidade de gênero das pessoas trans, tendo impactos significativos em sua saúde mental, bem-estar e participação na sociedade — lembra Gustavo Fiscarelli, presidente da Arpen-Brasil.

De acordo com a associação, o número de registros subiu em 2019, mas caiu no ano seguinte com a pandemia. Em 2022, houve um boom de trocas de documentos de pessoas trans ou não-binárias, o que foi superado neste ano mesmo com os dados ainda parciais — o levantamento foi atualizado pela última vez em 10 de dezembro.

A atualização dos documentos, em que o nome antigo deixa de existir, é uma luta para diminuir os constrangimentos por conta das identidades de gênero, explica a presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Nacional, Amanda Souto.

— A gente não corre o risco de sofrer constrangimento ao usar um documento que traz os dois nomes (o original e o social). A retificação dá a possibilidade à pessoa trans de não expor a sua identidade de gênero, se não quiser — afirma Souto, uma mulher trans que foi a primeira a retificar seu registro de gênero como advogada na OAB de Goiás.

Amanda acrescenta que tem aumentado a conscientização dessa população em relação aos seus direitos e defensorias públicas estaduais e prefeituras intensificaram a promoção de mutirões para facilitar o acesso à mudança de documentos:

— Não é nada tão burocrático agora. Antes precisava entrar na Justiça. Agora, existe uma lista de documentos que a pessoa precisa para que ela possa alterar seu nome e gênero no cartório.

Entre esses documentos, estão a certidão de nascimento atualizada, a carteira de identidade, e certidões de residência. Geralmente são gratuitas, mas quando não são negativas, pode ser que sejam cobradas, assim como as certidões de cartórios de protesto. Mas é possível fazer um pedido de isenção ou recorrer às defensorias públicas.

De acordo com Fiscarelli, apontamentos nas certidões não impedem a retificação do registro civil. A pessoa poderá mudar seus documentos, mas caberá ao Cartório de Registro Civil informar o órgão competente da mudança, assim como aos demais órgãos de identificação sobre a alteração realizada no registro de nascimento.

— A emissão dos demais documentos deve ser pedida pelo interessado diretamente ao órgão competente. Não há necessidade de apresentação de laudos médicos e nem é preciso passar por avaliação de médico ou psicólogo — afirmou o presidente da Arpen-Brasil.

Mesmo com a possibilidade de isenção e ajuda da Defensoria Pública, a vulnerabilidade de que parte relevante da comunidade trans — que, por conta do preconceito, acaba muitas vezes saindo cedo das escolas e não conseguindo bons empregos — cria barreiras financeiras também para acessar esse direito.

— Em alguns estados, a retificação pode chegar a R$ 1 mil. Isso é um valor alto para muita gente. Existem alguns requerimentos no Conselho Nacional de Justiça para que seja alterado o provimento garantindo a gratuidade. Isso seria de grande ajuda — disse Amanda.

Com informações de O Globo.

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