Brasil terá a África como foco da política externa em 2024: ‘Fazer do Atlântico um rio’

Sputnik

Até a metade da segunda década do século 21, Brasil e África viveram os anos dourados de suas relações, com intensa cooperação econômica e diplomática. Uma das marcas do período foi a expansão de empresas brasileiras em todo o continente africano, com grandes projetos de infraestrutura, alimentação e até de saúde.

Em 2013, o comércio bilateral atingiu um dos melhores momentos, quando alcançou a cifra de quase US$ 30 bilhões (R$ 147 bilhões). Mas o que aconteceu nos anos seguintes?

Brasil e continente africano: laço cultural muito forte

Separados por um oceano e ligados eternamente pela história colonizadora, a relação entre o Brasil e a África é constante tanto de forma econômica quanto social e, como qualquer relação, teve altos e baixos. Em um passado recente, a intensa integração chegou a ser vista como uma ameaça pela União Europeia (UE), que temia perder sua influência para Brasília.

Prova disso foi que em 2010 uma única empresa brasileira chegou a empregar quase 30 mil funcionários no continente africano: a Odebrecht, que à época teve uma receita de R$ 2 bilhões.

A crise financeira e política pela qual o Brasil passou a partir de 2015, porém, também afetou drasticamente a cooperação com o território. Tanto que no ano passado, o comércio entre Brasil e África foi um terço do registrado há nove anos, conforme o governo federal.

Parte disso se deve à política externa conduzida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que sequer viajou a algum país do continente africano durante o seu mandato.

Para reverter esse cenário, o assessor especial da presidência para Assuntos Internacionais, Celso Amorim, já prometeu que a política externa brasileira terá como foco em 2024 os países africanos.

Qual a relação entre o Brasil e a África?

O professor de relações internacionais e especialista em África da Universidade Federal do ABC (UFABC), Acácio Almeida, lembrou à Sputnik Brasil que ainda em 2008 a Europa chegou a demonstrar incômodo com a presença do país no continente.

“Questionavam muito onde isso ia dar, qual era o perigo. Claro que não se cumpriu, e o Brasil deixou de ser um jogador importante nesse campo”, pontuou o especialista, que vê com bons olhos o projeto abraçado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva de ampliar as relações bilaterais na região.

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Porém, o especialista pontuou que a situação é diferente do que era há 20 anos, quando Lula foi eleito presidente da República pela primeira vez e já sinalizava a importância da aproximação.

“Naquele momento, existiam fatores que coincidiam, como […] o renascimento africano [inserção do continente na política internacional] com o brasileiro, que já não é mais falado. E também, nessas duas décadas, a África não ficou parada esperando pelo Brasil. Tivemos a ampliação do campo de influência de outros países, principalmente a China, e Celso Amorim sabe muito bem o que isso significa”, enfatizou.

Acácio Almeida relembrou a uma grande conferência que reuniu intelectuais e autoridades brasileiras e africanas ainda em 2006, em Salvador, quando foi reafirmada a necessidade de fortalecer os laços entre as nações.

“Esse momento atual é a chance de o Brasil talvez retomar as relações partindo daquilo que foi acordado, que é formar um bloco mesmo. O Brasil pode voltar a pensar naquele desejo de fazer do Atlântico um rio e criar uma ação de maior profundidade com os países africanos.”

Já com relação ao discurso usado comumente pelos governos que passaram por Brasília nas últimas décadas — de que o país é um irmão do continente africano por ser a nação com maior número de afrodescendentes fora da África — para aproximar as relações ficou no passado. “Hoje essa fala já ficou meio gasta”, disse o professor de relações internacionais, que pontuou a necessidade de olhar a região não só como um potencial mercado consumidor.

Há um mundo de possibilidades no território, principalmente em setores como desenvolvimento tecnológico, produção agrícola, saúde e formação de profissionais capacitados, explica à Sputnik Brasil o pesquisador de economia política mundial, planejamento regional e urbano, geopolítica e geoestratégia da Universidade de São Paulo (USP), Braulio André. “E me parece que o governo brasileiro, para além de levar empresas brasileiras do setor da construção e infraestruturas, tem se preocupado em estabelecer parcerias nessas outras áreas”, argumentou.

Segundo o analista, é assim que o país pode conquistar espaço no continente frente à concorrência de potências como a China e os Estados Unidos. “Conquistando esse espaço, muito facilmente encontrará outros mercados não só nos países de expressão portuguesa, mas também de outros idiomas”.

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