Nos Bastidores Do Poder: Por Stephen Kanitz

Decidi contar um pouco da minha vida pública. Uma das partes mais elucidativas foi quando trabalhei no Governo, e descobri como as decisões econômicas do governo sāo realmente tomadas. Acho que mais administradores que participaram do Governo deveriam contar como esse país é (pessimamente) administrado, para sabermos quais são nossos verdadeiros problemas.

O então Ministro do Planejamento, me levou aos Estados Unidos, para que eu expusesse meu “Plano de Renegociação da Dívida Externa” para o Paul Volcker, Presidente do Banco Central Americano. Fui o primeiro a usar em Economia uma planilha eletrônica para resolver um problema econômico. Nesse caso descobri que nossa dívida era pagável porque seria totalmente corroída pela inflação americana. Gritos de Moratória, romper com o sistema internacional, que acabaram fazendo, eram equivocados, porque nosso problema era a inflação americana e não os juros “brasileiros”. Nenhum outro economista chegara a essa conclusão, porque nenhum havia feito o fluxo de caixa até o final dos 30 anos.

Fui um dos poucos, portanto, a perceber que o problema não eram os juros, diagnóstico de 100% dos economistas da época, mas a inflação americana que havia disparado. Ao simular os pagamentos para os 30 anos seguintes com inflação zero, hipótese maluca por isso ninguém fez, descobri que o problema se resolvia imediatamente. Para quem não sabe nossa História Econômica, nossos Ministros da Fazenda da era Militar assinaram vultuosas dívidas externas com bancos internacionais para estimular os investimentos em infraestrutura. Só que, pasmem, assinaram esses contratos sem estabelecerem previamente os juros a serem pagos pela duração desses contratos, digamos 6% ao ano.

Assinaram contratos com juros “flutuantes”, que flutuavam APÓS a assinatura do contrato, e portanto incluíam imediatamente os picos de inflação. Fazem isso até hoje, se comprometem a pagar o “Selic”, e não digamos 4%. Quando historiadores econômicos acusam “Volcker elevou os juros para 19% que afetou todo mundo”, eles omitem que esse aumento só afetou de fato países que “assinaram juros que flutuavam após a assinatura do empréstimo”.

Quem assinou juros fixos ou pré determinados, escapou, óbvio. Volcker não aumentou os juros retroativamente aos contratos já assinados, algo sempre esquecido. Meu plano mereceu um editorial da Revista Euromoney, Entra Em Cena O Alquimista, que era eu, que achara a verdadeira causa do problema, inflação americana. Economistas brasileiros não leem Euromoney e aqui a tese não “pegou”, mas graças ao editorial eu passei a negociar a minha solução com os banqueiros internacionais. Achamos dezenas de fundos de pensão americanos que queriam comprar um titulo com juros reais fixos (3,5% e nāo os 16% da época) pela duração do contrato. Em troca, no final dos 30 anos pagaríamos a dívida sem ser corroída pela mesma inflação, com exportações que sobem naturalmente com a mesma inflação. Era tudo o que eu e eles desejavam. Seria um ganha-ganha para o Brasil e para esses Fundos de Pensão, eliminando assim o risco da incerteza atuarial, e para nós, o risco dos juros flutuantes. Divulguei esse Plano de Renegociação em mais de 100 jornais e revista, e uma cópia está aqui www.spell.org.br/documentos/download/19132

 Vocês, professores de Economia, têm um interessante Estudo de Caso para discutirmos mais um erronomics que a turma fez. O “Plano De Renegociação” foi eleito um dos 10 melhores pelo Internacional Finance Corporation. Junto com o plano do Pablo Kuczynski do Peru, únicas Propostas vindas de intelectuais dos países devedores. Só assim chamou atenção dos economistas do Governo Brasileiro, que não leram o Euromoneu, e me levaram a explicar pessoalmente ao Volcker.

Minha reunião com Volcker foi na embaixada Brasileira e curta. Ministro do Planejamento -“Mr. Volcker, quero apresentar Stephen Kanitz, formado em Harvard, que tem uma proposta para Renegociar a dívida brasileira, e gostaria que o ouvisse”. Volcker- “Pois não” Kanitz- ”Eu tenho uma “solução de mercado” e, já tenho os fundos de pensão, e os atuais bancos que aceitam fazer um Swap de Juros Nominal- Real”. Volcker (rindo )- “Você deve ser o único economista brasileiro que está propondo uma “solução de mercado”, em vez de “perdão da dívida”, “moratória”, “pagar somente % das exportações, ou atrelando ao crescimento” Kanitz- “Exatamente Mr. Volcker. Por isso preciso de sua ajuda e total apoio. Volcker- “ Está dado”. Agradeci, virei as costas e saí da sala. O Ministro do Planejamento saiu correndo atrás de mim. “Espera aí, você não vai explicar o seu plano? Nós lhe trouxemos aqui para isso.” “Claro que não. Você não ouviu que ele já me deu seu total apoio? Agora eu posso ligar para todos os bancos irem em frente e só preciso repetir essa frase do Volcker que você acaba de ouvir. Se começasse a entrar nos pequenos detalhes, como você quer, poderíamos perder esse seu apoio”.

Infelizmente, meses depois esse mesmo Ministro boicotou o trabalho da nossa equipe de 8, ao assinar a Moratória da Dívida Externa Brasileira em 1988. Essa moratória foi irresponsável pois a dívida era pagável, nos causou quase duas décadas perdidas. Sem crescimento a juros baratos de 3,5% ao ano que eu havia já havia acertado com os Fundos de Pensão. Ou seja, o problema não era o Brasil nem Volcker, mas o tipo de juro negociado, nominal em vez de real. Quem abaixar a planilha que fiz em 1986, verá que projetava Reservas Internacionais de US$ 348 bilhões em 2016, 30 anos depois. Não conheço economista que acertou uma previsão de 30 anos.

Tenho a absoluta certeza que os Ministros que assinaram essas dívidas sequer fizeram planilhas para projetar as consequências futuras de suas decisões arriscadas. Administração Responsável das Nações, precisamos tornar essa matéria obrigatória em todos os cursos de Economia e Administração.

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