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A vitória de Javier Milei e seus primeiros anúncios elevaram as ações argentinas em Wall Street e no dólar paralelo, embora de forma moderada. Em conversa com a Sputnik, o economista Leonardo Piazza rejeitou uma corrida cambial e afirmou que evitar a hiperinflação dependerá de Milei aplicar um plano “credível”.
O feriado de 20 de novembro na Argentina, correspondente ao Dia da Soberania Nacional, permitiu moderar a reação dos mercados à vitória do candidato libertário Javier Milei, que mantém a intenção de dolarizar a economia, privatizar empresas e aplicar um importante ajuste fiscal.
Em conversa com a Sputnik, o economista argentino Leonardo Piazza explicou que, apesar de o sistema financeiro oficial não ter funcionado desde a sexta-feira (17) anterior às eleições, algumas reações do mercado já podiam ser lidas através de indicadores não oficiais.
Um deles, observou o economista, foi a alta das ações das empresas argentinas listadas em Wall Street, entre as quais a YPF — equivalente a Petrobras argentina, cujos ADRs (recibos de depósito americanos) em Nova York subiram mais de 40%.
“Poderíamos dizer que o mercado está aceitando moderadamente o fato de a eleição ter sido vencida por Javier Milei”, disse Piazza, diretor da LP Consulting.
O especialista destacou ainda que o criptodólar – que resulta do preço pelo qual as criptomoedas são trocadas e que funciona 24 horas por dia, todos os dias do ano – teve um aumento considerável desde a tarde de domingo (19), quando a vitória de Milei levou seu preço a reagir com mais força. “O criptodólar oscilava na faixa de 900 e 950 pesos, mas assim que as primeiras tendências foram conhecidas, saltou para 1.200 pesos”, disse.
De qualquer forma, Piazza alertou que este mesmo indicador teve alguma estabilização a partir de segunda-feira (20) – consolidando-se perto de 1.000 pesos – e minimizou a possibilidade de um salto exacerbado do dólar no mercado paralelo argentino. “Vejo volatilidade no câmbio informal, mas muito calma e não transbordante. Também não vejo uma forte corrida aos bancos, porque já houve uma”, disse.
Para o analista, isto acontece porque “as pessoas já dolarizaram” nos últimos meses, precavendo-se contra possíveis aumentos provocados pelos resultados eleitorais.
Mesmo assim, Piazza considerou fundamental que os primeiros contatos entre Milei e o interlocutor que ele tem no Poder Executivo — seja o presidente Alberto Fernández ou alguém da equipe do ministro da Economia, Sergio Massa – possam enviar mensagens tranquilizadoras ao mercado. “Que se sentem e digam ao mercado: entre agora e 10 de dezembro ‘a dívida em pesos permanece calma e não será tocada’ e que sejam tomadas duas ou três medidas para acalmar a transição”, observou.
Embora especule que o eventual plano de dolarização de Milei seria favorecido por uma alta do dólar, Piazza lembrou que “a dolarização não é mais a mesma que Milei propôs antes“, pois “agora ele fala de uma dolarização moderada, de uma dolarização de moedas e com etapas”.
De qualquer forma, o analista reconheceu que a alta do dólar pode beneficiar Milei, pois “favorece a liquidação das dívidas do Banco Central” concentradas em Leliqs (notas de liquidez), instrumentos de dívida do Banco Central criados em 2018 com o objetivo de retirar pesos de circulação.
Piazza lembrou que a dívida que o Banco Central tem com os interesses dos Leliqs representa quase seis pontos do produto interno bruto (PIB) argentino, por isso é uma das questões cruciais que Milei quer abordar para eliminar o controle do dólar, dentro do quadro de uma política de “choque” para a economia argentina.
Para Piazza, o plano do novo presidente vai depender da Argentinaconseguir se salvar da hiperinflação, fenômeno monetário com o qual, garantiu, o país já está “flertando”.
“Se Milei implementar de alguma forma um plano de estabilização credível, visando a gestão das contas fiscais, alguma solução para o déficit de Leliq e sem a interrupção do encerramento do Banco Central ou da dolarização total, penso que ainda estamos a tempo de que a hiperinflação não chegue”, analisou Piazza.
O economista considerou que essa credibilidade também será dada pela figura que Milei escolher como ministro da Economia e se “terá alguma âncora no Fundo Monetário Internacional [FMI] e em organismos multilaterais“.
O outro lado está, considerou o especialista, no “conflito social” que as medidas de Milei despertam. “Não me refiro à pobreza e à inflação da cesta básica, mas ao político, fundamentalmente nos subúrbios de Buenos Aires”, zona da região metropolitana de Buenos Aires onde o peronismo continua forte.
“Esperemos que os políticos, tanto os que saem como os que entram, tenham a capacidade de gerar certa harmonia e que o primeiro plano econômico de Milei seja bem-sucedido, de forma a direcionar a economia para um crescimento sustentado ao longo do tempo e que seja credível“, resumiu.