Caso Banco do Brasil: MPF abre consulta pública sobre propostas de reparação da escravidão

Em mais uma atuação no âmbito do inquérito que apura a responsabilidade e participação do Banco do Brasil na escravidão, o Ministério Público Federal (MPF), por meio da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Rio de Janeiro (PRDC/RJ), abriu consulta pública sobre o tema. Durante 60 dias, a população em geral, as entidades e os movimentos sociais terão a oportunidade de se manifestar sobre o inquérito que tem por objeto Tráfico de Pessoas Negras Escravizadas e o Banco do Brasil: Direito à Reparação, especialmente quanto à apresentação de propostas sobre as formas como deve ser feita essa reparação.

Os interessados em participar da consulta pública podem apresentar sugestões e propostas sobre formas de reparação, por meio de protocolo no MPF – fazendo referência ao inquérito (IC 1.30.001.004372/2023-13) – ou enviando e-mail à Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do Rio de Janeiro (PRDC/RJ), no endereço eletrônico prrj-prdc@mpf.mp.br.

Frentes de discussão sobre reparação – No despacho que determina a consulta pública, os procuradores regionais dos Direitos do Cidadão Jaime Mitropoulos, Julio Araujo e Aline Caixeta analisam os desdobramentos do inquérito até o momento e os avanços já obtidos. O MPF ressalta, por exemplo, a importância do pedido de desculpas apresentado pelo banco em audiência realizada em 18 de novembro. A medida é considerada histórica, pois o banco “quebrou o silêncio sobre a sua própria história, contribuindo para um amplo debate público acerca dos efeitos da escravidão e para a necessidade de olharmos o passado com vistas a enfrentar nossas mazelas no presente e no futuro”.

Contudo, os procuradores entendem que o pedido de perdão não é suficiente. “Se, por um lado, é inadmissível que convivamos com o apagamento e o silêncio ante essa tragédia histórica, mostra-se fundamental, por outro, que não nos limitemos a um mero pedido de desculpas, por melhores que sejam as intenções”, destaca o despacho da PRDC/RJ. Por essa razão, os membros do MPF defendem o aprofundamento da reflexão sobre a “tarefa imprescindível de reparar”. Além disso, os procuradores destacam que as iniciativas que o banco apresenta ainda não atendem ao propósito da reparação, pois são limitadas no tempo e não enfrentam problemas estruturais.

Para discutir reparação, os procuradores defendem três caminhos importantes. Em primeiro lugar, realçam a necessidade de aprofundar e detalhar medidas de memória e verdade, por meio de pesquisas. Como desdobramento desse trabalho, o MPF sugere a criação de uma plataforma de pesquisas sobre a temática, o adequado tratamento da história “oficial” do banco, o financiamento de iniciativas de história pública e de material didático para ampla divulgação. Ao mesmo tempo, os procuradores defendem a informação permanente à sociedade sobre a questão, por sítios eletrônicos, exposições e publicações.

Em segundo lugar, o MPF sustenta a necessidade de o banco adotar processos internos que sinalizem, na prática, enfrentamento do fato de que a escravidão é constitutiva de sua formação. “Já não se trata mais de avançar em programas específicos ou focais, e sim de repensar a própria forma como o banco encara os temas e acelera a sua transformação em prol de uma agenda de reparação de sua própria história”, destaca o documento. Como realizações, os procuradores mencionam a racialização plena das atividades do banco em recrutamento, treinamento, orientação profissional, posições de liderança etc.

Para os procuradores, o próprio pensamento institucional deve estar baseado em premissas relacionadas à dívida histórica, aptas a ensejar processos de reparação de curto, médio e longo prazos. “Não basta cultivar uma narrativa de diversidade quando a maioria do quadro de lideranças e funcionários é quase exclusivamente branca – ressalvado o fato emblemático e histórico de a atual presidente ser negra -, pois os pactos de branquitude acabam sendo baseados na autopreservação e no componente narcísico, o que demanda enfrentamento atual e urgente”, destacam.

Em terceiro lugar, o MPF defende a discussão sobre um plano de reparação com a sociedade brasileira. Algumas propostas feitas na audiência realizada na sede da Portela são destacadas e demandam melhor desenvolvimento. Por isso, os procuradores decidiram pela abertura da consulta pública.

Pedido de informações – Ao fim do despacho, o MPF solicita a manifestação do Banco do Brasil, no prazo de 20 dias, acerca de questões que ainda não foram esclarecidas, como a existência de pesquisas financiadas pelo banco que detalhem e aprofundem a discussão sobre a sua própria história. O despacho determinou também o agendamento de reunião com a direção executiva do banco.

Inquérito – Instaurado em setembro deste ano pela PRDC/RJ, após manifestação apresentada por um grupo de 14 professores e universitários, o inquérito civil tem o objetivo de promover a reflexão sobre o tema para garantir que crimes contra a humanidade como esse jamais se repitam. A medida também busca garantir mecanismos de reparação com um olhar voltado para o presente e o futuro, em uma discussão sobre memória, verdade e justiça. 

Os pesquisadores de diversas universidades brasileiras e estrangeiras apontaram a participação do banco do Brasil no tráfico transatlântico e a necessidade de apuração e debate sobre a responsabilidade de instituições do país envolvidas com a escravização de pessoas no século 19. No caso do Banco do Brasil, os historiadores apuraram que havia relação de “mão dupla” da instituição financeira com a economia escravista da época, que se revelava no quadro de sócios e na diretoria do banco, formados em boa parte, por pessoas ligadas ao comércio clandestino de africanos e à escravidão.

Linha do tempo – Após a abertura do inquérito, diversos passos para cumprir os propósitos da investigação já foram dados, como a realização de reuniões e de audiências públicas e a apresentação de pedido de desculpas do Banco do Brasil.

– 27 de outubro – MPF realiza reunião com representantes do Banco do Brasil, pesquisadores e órgãos como os Ministérios da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos e Cidadania para tratar do inquérito. Na ocasião, historiadores tiveram a oportunidade de apresentar estudos e percepções em relação ao banco ter se beneficiado, no passado, do contrabando de africanos. Já os representantes do banco destacaram que a análise deve considerar o contexto histórico, social, econômico, jurídico e cultural do período em que se desdobram os fatos. 

– 6 de novembro – MPF envia ao Banco do Brasil mais estudos sobre a participação da instituição financeira no tráfico de africanos no século 19. O material, assinado por 14 professores e pesquisadores de universidades brasileiras e estrangeiras, traz a indicação bibliográfica de teses e artigos. 

– 18 de novembro – MPF realiza a audiência pública Consciência Negra e Reparação da Escravidão para discutir a reparação para a população negra pelo período da escravidão no Brasil. A atividade foi realizada na quadra da escola de samba Portela e teve como objetivo ampliar a escuta da sociedade civil e dos movimentos negros, além de aprofundar o debate sobre as formas de reparação.

– 18 de novembro – Banco do Brasil pede perdão ao provo negro. Em comunicado apresentado durante audiência pública para tratar do tema, o banco também divulgou um conjunto de medidas com o objetivo de promover a igualdade e a inclusão étnico-racial e combater o racismo estrutural no país. 

Íntegra do despacho

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