Um acervo arqueológico e etnográfico pertencente à União está no meio da disputa judicial dos credores (massa falida) do antigo Banco Santos, cuja falência foi declarada em 2005. Acolhendo manifestação do Ministério Público Federal (MPF), a 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo determinou que peças adquiridas irregularmente pelo banco sejam restituídas de forma definitiva à União. A decisão impede que os artefatos sejam incluídos na massa falida da empresa ou vendidos em leilão para pagamento de credores.
Fazem parte do acervo cocares, flechas, colares, pulseiras, bolsas, brincos, cintos e cestarias com o uso de dentes, penas, garras e outros produtos retirados da fauna silvestre nativa brasileira. Ao todo são 3.524 artefatos arqueológicos e etnográficos que integravam a coleção do Instituto Cultural Banco Santos – pertencente ao ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira. Os bens estão há quase 20 anos sob a guarda do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE/USP).
Na manifestação, o MPF pede que as peças permaneçam sob a guarda definitiva do museu, pois, segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a instituição tem cumprido a sua função social, por ser capaz de conservar, proteger, estudar e promover o acervo, “atendendo ao trinômio pesquisa, conservação e socialização”. A atuação do Ministério Público é em ação ajuizada pela União e pelo Iphan para impedir que as obras sejam vendidas para a arrecadação da massa falida do Banco Santos.
Segundo o MPF, os objetos pertencem ao patrimônio histórico e cultural brasileiro e já foram adquiridos ilicitamente pela instituição financeira, contrariando a legislação. A Constituição Federal prevê que são bens da União os sítios arqueológicos e pré-históricos, impedindo a evasão das peças de valor histórico, artístico e cultural. Além disso, a Lei nº 3.924/61 prevê que todos os objetos encontrados nesses sítios fiquem sob guarda e proteção do Poder Público.
Essa mesma norma também impede a comercialização de acervo arqueológico e etnográfico do país. Segundo o MPF, diversos estudos periciais confirmaram os atributos de raridade e inestimável valor científico e cultural dos itens que integravam o acervo do Banco Santos. “Se os bens arqueológicos e etnológicos oriundos da coleção do Banco Santos forem alienados, causarão prejuízo incalculável ao patrimônio cultural nacional”, afirma a procuradora da República Suzana Fairbanks Lima de Oliveira, no parecer enviado à Justiça.
Entenda o caso – Após a intervenção do Banco Central, ocorrida em 12 de novembro de 2004, dois processos tramitaram contra os controladores do Banco Santos. Em um deles, o juiz determinou o sequestro de todos os bens móveis e imóveis do ex-banqueiro Edemar Cid Ferreria, incluindo todas as coleções artísticas e os acervos de peças pessoais e de todas instituições relacionadas ao réu (Cid Collection Empreendimentos Artísticos LTDA., Instituto Cultural Banco Santos, Brasil Conecta, e a Massa Falida do próprio Banco Santos, além de objetos pessoais).
Diante disso, a União e o Iphan requereram à Justiça a restituição dos bens de valor histórico e cultural pertencentes ao Poder Público, mas que haviam sido adquiridos pelo banco de forma irregular. Em 2005, o juízo criminal já havia declarado as peças patrimônio da União e determinado que os objetos passassem a integrar o acervo do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo. A decisão foi mantida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em conflito de competência.
No entanto, em 2020, o MAE/USP recebeu comunicado sobre decisão da Vara de Falências autorizando o acesso da administração judicial aos bens do acervo arqueológico, para pagamento dos credores da massa falida do banco. Tal fato levou o MPF a contestar a decisão, para impedir a comercialização dos itens.