Após vitória nas eleições do último domingo (19/11), o economista e deputado Javier Milei (Libertad Avanza) se prepara para assumir a Presidência da Argentina em dezembro. Declarações e gestos tanto do lado brasileiro quanto do argentino indicam como deve ser a relação entre os países vizinhos diante da mudança de gestão na Argentina. Especialistas consultados pelo Metrópoles projetam distanciamento entre as lideranças, mas sem deixar de lado o pragmatismo.
Poucas horas após a vitória, nesta segunda-feira (20/11), o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) divulgou o trecho de uma ligação de vídeo que recebeu de Javier Milei. No contato, o presidente eleito convidou o ex-mandatário brasileiro para comparecer à posse, marcada para 10 de dezembro, em Buenos Aires. “Tenha certeza que, [para] tudo que for possível fazer por você, estaremos à disposição”, afirmou Bolsonaro em um vídeo divulgado no X (antigo Twitter).
Entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Javier Milei não houve contato direto após a vitória. “Desejo boa sorte e êxito ao novo governo. A Argentina é um grande país e merece todo o nosso respeito. O Brasil sempre estará à disposição para trabalhar junto com nossos irmãos argentinos”, comentou o petista nas redes sociais, sem citar o presidente eleito.
Como mostrou a coluna de Igor Gadelha, do Metrópoles, Lula decidiu não ir à posse do argentino. Ele ainda avalia qual substituto enviará no lugar, se o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, ou o chanceler Mauro Vieira. A decisão estaria relacionada com ofensas proferidas pelo argentino, que chegou a chamar Lula de “presidiário comunista” e “corrupto”.
Pragmatismo tende a prevalecer
Ricardo Caichiolo, professor de relações internacionais do Ibmec Brasília, projeta mudança para a relação entre Brasil e Argentina com a ascensão do ultraliberal. Na avaliação do especialista, a relação não será tão próxima como é atualmente, ou como seria caso o rival Sergio Massa (Unión por la Patria) tivesse vencido o pleito.
“Isso não significa dizer que esse desalinhamento ideológico vá impactar de forma negativa a relação entre os dois países. Na verdade, o que prevalece, em grande medida na relação entre os Estados, é o pragmatismo”, avalia.
O professor ainda destaca que muito do que Milei defendeu durante a campanha depende de acomodação de interesse internos, além de ter que passar pelo crivo do Legislativo
Ricardo, no entanto, prevê que algo negativo para o Brasil, e que tem chances de ocorrer, é a saída da Argentina do Mercosul, uma promessa de Milei.
O especialista acredita que Milei deve buscar aproximação com parceiros ideologicamente mais próximos, como o ex-presidente dos Estados Unidos (EUA) Donald Trump e, na América do Sul, o Uruguai e o Paraguai.
mpimento de tradição diplomática
Nessa segunda-feira (20/11), segundo o jornal argentino Clarín, Milei anunciou que a primeira viagem como presidente eleito será para EUA e Israel. O roteiro, explicou, tem uma “conotação mais espiritual que outras características”. A iniciativa rompe, mais uma vez, uma tradição diplomática entre Brasil e Argentina — o mesmo ocorreu quando Bolsonaro elegeu-se presidente, em 2018, e priorizou visitar o Chile, e não o território argentino.
“Pode haver essa aproximação mais por causa dessa ideologia em nível político. Quando a questão é econômica e comercial, a Argentina vai continuar dependendo do Brasil e da China”, analisa Ricardo. “Ele vai ter de remodelar esse discurso, porque isso afeta, em grande medida, os interesses do empresariado argentino.”
Pedro Costa Júnior, cientista político e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), reforça que a China e o Brasil são os dois maiores parceiros comerciais da Argentina. Mas, para ele, a relação que se espera é fria e com dificuldades para sentar à mesa de negociações.
“O Milei está em uma estrutura maior, que é de influência da alt right, em que se insere o Bolsonaro e o Trump, por todas as declarações que ele deu em relação à política externa argentina, com a proximidade aos EUA e a rejeição ao Brasil, à China, ao Brics e ao Mercosul”, pontua.
O pesquisador pondera que entre as propostas e o que Milei vai conseguir fazer de fato “há um abismo”. “Ele vai ter de se sentar na cadeira, e a realidade é diferente. Ele vai ter de lidar com a burocracia do Estado, em que as coisas são mais complexas do que os discursos”, alerta.
Com Milei, derrota do peronismo
No domingo (19/11), o economista e deputado Javier Milei (Libertad Avanza) venceu as eleições para a Presidência da Argentina, com pouco mais de 55% dos votos. O opositor, o candidato peronista Sergio Massa (Unión por la Patria), ficou com cerca de 44% dos votos.
“Hoje, começa o fim da decadência argentina. Vamos virar a página da nossa história, vamos voltar ao caminho que nunca deveríamos ter perdido. Hoje, termina o modelo empobrecedor do Estado onipresente, que só beneficia alguns, enquanto a maioria dos argentinos sofre”, afirmou no comício do seu partido, após a vitória.
A eleição do ultraliberal representa a derrota do peronismo, em meio à crise econômica que atinge a Argentina. O movimento teve na Presidência nomes como o de Cristina Kirchner e o do atual presidente, Alberto Fernández.
Durante a campanha, Milei prometeu cortar relações com países que julga “comunistas”, como China e Brasil, além de romper com o Mercosul e fechar o Banco Central. Ele ainda se comprometeu a uma redução drástica nos gastos públicos, por meio do fim de programas sociais e a diminuição no número de ministérios de 18 para oito.
Admirador de políticos como Donald Trump e Jair Bolsonaro, o argentino compartilha pautas caras para os conservadores, como a liberação de armas e a contrariedade ao direito do aborto. A carreira política de Javier Milei acumula polêmicas, como quando se pronunciou a favor da livre venda de órgãos humanos.