A milícia dos fazendeiros tem representação no CongressoNa semana em que as redes ferveram com a operação da Polícia Federal no gabinete e casas de Carlos Bolsonaro, uma outra notícia – essa aterradora – passou quase despercebida fora do circuito dos defensores de direitos humanos. Falo do movimento “Invasão Zero”, uma milícia montada por fazendeiros que, conforme comprovado nesta semana, convocou o ataque aos Pataxó, no sul da Bahia, em que uma indígena foi morta e mais seis pessoas, entre elas seu irmão, foram gravemente feridas no dia 21 de janeiro passado. Um mês atrás, um cacique da mesma Terra Indígena (TI) já havia sido assassinado, na frente do filho. Há um conflito em relação ao território, já que a TI Caramuru/Paraguassu, onde vivem as vítimas, ainda não foi homologada, e a área de “retomada” dos Pataxó foi invadida há anos por fazendas. Mas o que aconteceu ali – com a participação de policiais militares da Bahia – foi descrito pelas vítimas sobreviventes como uma “caçada”, em que indígenas foram alvejados e espancados por cerca de 200 agressores. Maria de Fátima Pataxó, conhecida como Nega Pataxó, era uma liderança indígena, alvo dos fazendeiros que disputam a terra. A perícia da Polícia Civil já constatou que o tiro que a matou partiu da arma de um filho de fazendeiros de 19 anos de idade, já preso junto com um policial da reserva, ambos ligados à milícia ruralista. A natureza violenta e ilegal do “Invasão Zero”, exposta na investigação do ataque, é ainda mais preocupante pela cumplicidade com a Polícia Militar (PM) e a expansão do “movimento”, fundado em março do ano passado na Bahia e já presente em nove estados brasileiros, com representação em 200 municípios. Só na Bahia teria 5 mil integrantes, segundo declarou um dos fundadores, o fazendeiro Luiz Uaquim, ao Brasil de Fato. O jornal já havia revelado, em abril de 2023, que integrantes do “Invasão Zero” cercaram famílias do MST em área destinada à reforma agrária na Bahia com apoio da PM. Um áudio do próprio Uaquim informou os fazendeiros: “O batalhão de Jequié [município na Bahia conhecido pela atuação de grupos de extermínio] está sendo mobilizado junto com os produtores para amanhã de manhã fazer a retirada”. E as relações institucionais espúrias chegam ao Congresso Nacional. Em outubro do ano passado, com a presença do ex-presidente Jair Bolsonaro, foi lançada a Frente Parlamentar Invasão Zero, em Goiás. Os líderes da frente são conhecidos deputados federais ruralistas como Luciano Zucco (PL-RS) e o ex-ministro Ricardo Salles (PL-SP). Uma face política e institucional para um grupo que claramente atua de maneira ilegal. Não se trata apenas de uma disputa territorial entre fazendeiros e indígenas ou entre fazendeiros e sem-terra. O que o ataque aos Pataxó revela é que há um grupo armado sem nenhum controle social, com laços claros com a PM, pelo menos na Bahia (há relatos parecidos em Rondônia e Mato Grosso, por exemplo) e com apoio aberto de deputados federais, que têm o dever de zelar pela Constituição. O Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU) lançaram nota citando outros crimes cometidos no extremo sul da Bahia e cobrando ações dos governos estadual e federal para garantir a segurança dos indígenas. Igualmente urgente é investigar a cumplicidade da PM baiana no ataque aos Pataxó e a natureza do movimento Invasão Zero, que atenta não apenas contra a lei – os invasores nem sequer dispunham de uma ordem de reintegração de posse – e os direitos humanos, mas também contra a democracia. Afinal, como explicou o jurista Pedro Serrano à Folha de S.Paulo: “São grupos de pessoas querendo substituir o Estado para impor o que eles acham que é certo através da violência. Isso é gravíssimo e deve ser combatido”. A existência desses grupos é incompatível com a democracia e a Constituição. É isso que deve nortear a cobertura da imprensa. |