“A esquerda precisa urgentemente, no Brasil e no mundo, ter um programa de superação do capitalismo”, diz Stédile, do MST

Líder histórico do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), João Pedro Stédile fez, em entrevista ao Opera Mundi, uma análise do que chamou de “crise” da esquerda e do capitalismo no Brasil e no mundo e lamentou a inexistência de uma esquerda com programa “radical” em um momento histórico “de crise do capitalismo, do imperialismo, da situação ambiental, da vida no planeta”.

Para Stédile, a esquerda falha todos os dias ao não organizar a classe trabalhadora em torno de um programa de mudanças estruturais. “A esquerda, fruto daquela derrota histórica da União Soviética, das ideias socialistas, ela refluiu. E a esquerda cometeu um erro fundamental: em todo o Ocidente priorizou a via eleitoral, e a via eleitoral é um dos espaços da luta de classes. Porém, a verdadeira força de uma esquerda é quando ela organiza a classe trabalhadora. Organizar significa ter núcleos, organização política e um programa de mudanças estruturais. E isso nos faz falta. E essa falta é ainda mais sentida porque o período histórico é de crise do capitalismo, de crise do imperialismo, é de crise da situação ambiental, da vida no planeta”. 

“Então mais do que nunca nos faz falta uma esquerda que tivesse um programa radical. E radical no sentido de ir às raízes dos problemas. Então tem que ser radical mesmo, no sentido de que tem que propor mudanças estruturais. E nós estamos convencidos: o capitalismo não resolve mais os problemas da população, da classe trabalhadora, das maiorias. Então, para a centro-esquerda, é preciso apresentar propostas anti-capitalistas, pós-capitalistas, que acenem para um projeto de superação da exploração. A esquerda precisa, urgentemente, no Brasil, na América Latina e no mundo, ter um programa de superação do capitalismo, que signifique solução para os problemas das maiorias. E os problemas das maiorias só terão solução com mudanças estruturais, na forma de organização, no modo de produção e no Estado burguês”.

Para ele, no Brasil, a paralisação das esquerdas se deve à “hegemonia completa que os meios burgueses de comunicação têm”. Ele citou, por exemplo, a máquina de propaganda sionista no Brasil e no mundo que protege Israel, apesar das atrocidades cometidas pelo governo daquele país contra os palestinos da Faixa de Gaza. “A Globo, os grandes jornais, as grandes revistas. Todo mundo a favor dos crimes de Israel. Quantas manifestações de esquerda nós vimos colocando em dúvida: ‘ah, mas o Hamas também é terrorista’; e esqueceram os 70 anos de tortura, prisões, mortes que o governo de Israel fez? O governo de Israel só tem o interesse de acabar com o povo palestino, e a guerra agora contra quem está em Gaza é apenas um detalhe. Então um dos motivos é esse. Aqui no Brasil há uma hegemonia muito grande, a burguesia controla os meios de comunicação. E naquilo que ela tem interesse, é impressionante como ela influi”.

Stédile classificou como “vergonhoso” o fato de a esquerda brasileira não ter meios de comunicação próprios e fortes e falou em “crise geral” deste setor político no país. “Estamos vivendo uma crise de organização da esquerda, dos movimentos populares. Vai levar um tempo até que a gente consiga chegar às massas. É preciso ter militância, movimentos populares organizados, vontade política, ter visão estratégica para saber pelo que nós temos que nos mobilizar nessa luta anticapitalista e por um mundo melhor”.

Ainda sobre o caso de Israel e Palestina, o líder do MST citou manifestações pró-Palestina no Brasil e no mundo como “sinais” de que a burguesia não consegue controlar 100% da narrativa. “São sinais de que a hegemonia ideológica do capital e seus aparatos de meio de comunicação de massa, televisão, redes sociais não conseguiram derrotar as ideias da solidariedade e da luta. Porém, essas mobilizações não são em torno de um projeto. Elas são muito mais reações indignadas a um crime. (…) Há sinais de que a burguesia não consegue controlar as mentes e corações todo o tempo. Porque a campanha pró-Israel que eles têm feito nesses meses é vergonhosa. O Jornal Nacional aqui no Brasil, que é visto por 80 milhões de brasileiros, parece o departamento de propaganda do sionismo internacional. E mesmo assim as pessoas estão revoltadas contra o governo de Israel? Então é um sinal de que há energias latentes que nós poderemos, no futuro, mobilizar. Mas aquele processo de movimento de massas depende de um fator fundamental: a classe trabalhadora. E a classe trabalhadora aqui no Brasil, nos Estados Unidos e em todo mundo ainda está inerte, como que na ressaca da derrota que sofreu nessas últimas três décadas”.

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