Eldorado divulga informações falsas ao mercado para favorecer J&F em disputa bilionária
São Paulo, 9 de janeiro – A Paper Excellence, uma das maiores produtoras de papel e celulose do mundo, acusou os gestores da Eldorado Brasil Celulose de agir com deslealdade em favor da J&F na tentativa de obstruir a transferência do controle da companhia. Em notificação encaminhada nesta segunda-feira (08/01) ao diretor presidente da Eldorado, Carmine de Siervi Neto, a Paper alega que a empresa distorceu os efeitos jurídicos de uma nota técnica emitida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e transmitiu informações falsas ao mercado, promovendo campanha da J&F que busca descumprir obrigações contratuais.
Em comunicado ao mercado emitido no dia 02 de janeiro, a Eldorado havia sugerido desfazer o acordo de compra e venda firmado em 2017, informando que orientaria seus acionistas a adotar as providências cabíveis para tratar do cancelamento da aquisição. A orientação aconteceu a partir de uma manifestação em primeira instancia de técnicos do Incra em um processo administrativo, que orientaram pela busca de autorização do Congresso Nacional e demais órgãos competentes antes da transferência do controle da Eldorado, que tem contratos com proprietários de terras envolvendo imóveis rurais.
A Paper Excellence esclarece que a nota técnica do Incra é um ato administrativo sujeito a recurso, e representa um entendimento sobre um tema que já é objeto de processos em instâncias estaduais e no Supremo Tribunal Federal (STF). A exigência, ou não, de aprovações do Incra ou do Congresso Nacional para a transferência do controle da Eldorado será decidida pelo Poder Judiciário. “A Nota Técnica não será, em nenhuma hipótese, a última manifestação sobre este tema”, diz a notificação.
Além de sustentar que o Incra não teria poder jurisdicional para determinar a nulidade de um contrato debatido no foro apropriado, a Paper, na notificação,acusa os líderes da Eldorado de distorcer os termos da nota técnica do Incra. A empresa também diz que tomará as medidas necessárias para que os administradores da Eldorado sejam responsabilizados por sacrificar o melhor interesse da companhia e descumprir seus deveres legais e fiduciários para atender “interesses escusos da J&F”.
Entenda o caso
O jantar era celebratório na mansão de Joesley Batista no bairro do Jardim Europa, em São Paulo, naquele 4 de setembro de 2017. O dono da J&F brindava com Jackson Widjaja, empresário indonésio de ascendência chinesa, a venda da Eldorado Celulose. O acordo havia sido fechado dois dias antes.
O mercado considerou que a Paper Excellence, braço brasileiro do conglomerado de Widjaja, havia pago caro demais. Eram R$ 15 bilhões para ter 100% das ações da empresa construída do zero pelos Batista em Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul. Empreendimento que foi possível graças a dinheiro do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e de fundos de pensão de estatais.
Joesley tinha como prioridade, naquele momento, salvar a JBS, joia da coroa da família e hoje maior produtora de carnes do mundo. O indonésio procurava uma indústria para comprar e entrar no Brasil.
O clima relaxado não durou. Os celulares de Joesley e de outros presentes começaram a tocar. Na TV, Rodrigo Janot, então procurador-geral da República, ameaçava anular a delação premiada dos irmãos Joesley e Wesley Batista, denunciados por corrupção. O acordo de leniência, recorde, era de R$ 10 bilhões, a serem pagos em 25 anos.
O caso em janeiro de 2024
Ao contrário do que afirma o comunicado divulgado pela Eldorado, a nota técnica do Incra ressalta que qualquer desfazimento do negócio exigiria “comum acordo entre o adquirente ou transmitente”.
A Paper diz ainda na notificação que tomará medidas cabíveis perante a administração pública para reformar o ato administrativo que encampou a nota do INCRA. Para a Paper Excellence, a interpretação da autarquia não reflete o melhor entendimento acerca da validade e aplicação ao caso concreto das normas constitucionais e infraconstitucionais que regem a compra de terras rurais no Brasil, dado que, entre outras razões, a Paper comprou um complexo industrial produtor de papel e celulose, não tendo interesse em ser proprietária de terras rurais no Brasil.